Desencarnar ou Morrer?

É comum aos espíritas substituirmos o termo morte por desencarnação, entendendo que na terminologia espiritista os dois vocábulos são sinônimos. Interpreta-se, assim, que o termo desencarnação pode ser usado livremente para traduzir o conceito de morte.
Todavia, o aprofundamento da questão pode levar a entendimentos diferenciados entre os dois termos.
Quando estudamos detidamente o assunto, aprendemos que morte significa extinção da vida física, cessação completa e definitiva da vida orgânica.1
A desencarnação, por outro lado, refere-se à libertação espiritual, ao desprendimento do Espírito das coisas terrenas, sejam físicas, emocionais ou psicológicas.2
Embora sejam palavras de sentidos diferentes, é facilmente perceptível a relação intrínseca entre elas. Daí, fazermo-nos duas perguntas semelhantes na forma, porém diferentes na semântica:
1ª. É possível morrer e não desencarnar?
2ª. É possível desencarnar e não morrer?
Após algumas reflexões, chegamos à seguinte conclusão: se o corpo do indivíduo morre, porque se extinguiu o fluido vital relativo à quota de existência orgânica para aquela vida material, o caminho natural é de que ele em essência, o Espírito, que já não mais continuará com aquela vida física, também pudesse se libertar em definitivo das questões materiais. Deveria igualmente desencarnar. Mas, não é assim que ocorre na prática. Pelo contrário. Morrer e não desencarnar é muito mais comum do que poderíamos imaginar à primeira vista.
Tais são os casos dos que permanecem apegados a questões materiais, presos a preocupações cotidianas, atados a gravames sentimentais e, mesmo após o decesso, não conseguem alçar voo em direção a outros páramos.
Todavia, não há como desencarnar sem morrer. É a morte do corpo físico que provoca o afastamento do Espírito e não o contrário.3 Mesmo porque, a desencarnação implica no desprendimento completo da vestimenta que o indivíduo ocupava para o desempenho de suas funções na existência carnal, utilizando um corpo equipado de sentidos físicos para manifestação no ambiente em que se encontrava, contato com o meio externo e relações com as pessoas.
Então, consideramos: é possível morrer sem desencarnar; mas não é possível desencarnar sem morrer.
A lição da morte é a do desprendimento, do desapego, da renúncia. Se a extinção da vida física obriga o Espírito a se afastar do corpo de carne, e por mais que se deseja operar o oposto – isto é, o indivíduo deixar o corpo esperando encontrar a liberdade, enquanto ainda permanece comprometido com a encarnação –, algo devemos aprender com o que nos mostra as leis naturais no próprio desenrolar da vida!4
A existência terrena é valiosa oportunidade de evolução espiritual. E, enquanto aqui estivermos, devemos cumprir disciplinadamente as etapas a que somos submetidos pela necessidade de melhoria e evolução.
Viver bem cada dia, fazer sempre o melhor ao nosso alcance, agradecer a Deus a dádiva da trajetória física, enxergar com “olhos de ver” a Providência Divina em sua pujança infinita nas manifestações da Natureza e buscar a sintonia plena com os valores do Bem são alguns dos qualificativos para que encontremos a felicidade ainda em curso na presente existência.
E, cumprindo o dever e a rotina cotidianos, reformando-nos moralmente e nos transformando intimamente segundo os padrões exarados no Evangelho de Jesus e revividos pelo Espiritismo Consolador, poderemos ter a segurança de afirmar como certa vez um amigo confidenciou: “O Pai pode me chamar assim que O desejar; estou de ‘malas prontas’, pois, pelo que consta na consciência, minha tarefa está cumprida.”

Referências:
1 HOUAISS, Antônio. Dicionário eletrônico Houaiss da língua portuguesa multiusuário 2009.3. Verbete: Vida.
2 FRANCO, Divaldo Pereira. Morte e desencarnação. In: ______. Temas da vida e da morte. Pelo Espírito Manoel Philomeno de Miranda. 7. ed., 2. imp. Brasília: FEB, 2013. p. 81-86.
3 KARDEC, Allan. O livro dos espíritos. Trad. de Guillon Ribeiro. 86. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2005. q. 136a.
4 XAVIER, Francisco Cândido. Voltei. Pelo Espírito Irmão Jacob. 28. ed., 10 imp. Brasília: FEB, 2016.

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