Espiritismo e ecologia - Parte 2/2
O que propõem os ecologistas é a
preservação do meio ambiente, para que se mantenham adequadas condições de vida
na Terra. O que se pretende, portanto, e em última análise, é a preservação das
oportunidades de reencarnação de que a vida precisa para cumprir a sua tarefa
evolucionista.
Uma civilização que agrida suas próprias condições de continuidade ou, no
mínimo, as põe em perigo, cria um mecanismo suicida. Temos vivido nas últimas
décadas um clima de 'que-me-importismo' ecológico. Assumimos uma atitude de
'après moi le déluge', ou o fatalismo de um day after.
Nada disso é construtivo.
Desencadeia-se um acelerado processo de demolição sistemática de todo o
dispositivo material de apoio à vida do espírito na terra. Na minha infância há
apenas meio século – um mero segundo em termos geológicos – multidões de
pássaros coloriam e musicalizavam os campos e até a vizinhança das cidades. Do
quintal de minha casa em Volta Redonda, à beira da Central do Brasil, onde
nasci e me criei até que se iniciasse a segunda década de vida, podia ver
bandos travessos de bugios (pequenos macacos), na maior algazarra, pulando de
galho em galho. A água dos riachos e até de rios mais volumosos era limpa e
potável, deixando ver os cardumes de peixes a navegarem tranquilamente daqui
para ali em busca de alimento. Não pairavam nuvens densas de poluição nos céus
das cidades. Como a água era pura e os pássaros controlavam o crescimento
desordenado dos insetos e pragas da lavoura, o legume, a verdura e a fruta
chegavam incontaminados à mesa.
Era um mundo quase idílico comparado ao de hoje e ficou há apenas 50 anos
no tempo, ali mesmo...
É bom, pois, que a consciência universal esteja sendo alertada para esses
aspectos pelos jovens, que têm sido a voz e a ação contra a degradação das
condições de vida no planeta. Afinal de contas, são eles os espíritos que nos
deixaram um mundo razoavelmente saudável e tranquilo há um século ou dois para
reencontrarem-no agora inquieto, agitado, temeroso, depredado e doente. Que
fizeram com este mundo as gerações intermediárias? Que está fazendo a atual?
Embora poucos sejam os que trazem a convicção consciente do mecanismo das
vidas sucessivas, são muitos os que têm a intuição viva do processo e sabem que
a civilização continuará a necessitar de ambiente adequado para desenvolver as
suas tarefas evolutivas ao longo do tempo.
A literatura espírita é rica em ensinamentos específicos sobre a
inexorabilidade das leis divinas de ação e reação. O poderoso fazendeiro que
mandou construir a senzala como precário depósito de gente e continuou vivendo
no conforto da casa grande deverá voltar amanhã para viver, não na senzala,
que, graças a Deus, não mais existe, mas na favela sofrida e precária, como
escravo de condições rígidas que não tem como superar ou fugir.
O rei francês que pouco se importava caso após o seu reinado viesse o
dilúvio não teria de morrer afogado, é claro, numa vida futura, mas ficou na
programação das suas vidas, voltar sob condições de caos financeiro, social,
político, com dificuldades enfim, semelhantes às que impôs aos outros para que
pudesse dispor livremente de suas fartas mordomias.
A Terra é a habitação de que necessitamos, de tempo em tempo, para viver
durante algumas décadas, a fim de que se cumpram as tarefas exigidas pelo
processo educativo da evolução individual e coletiva. É aqui que cometemos os
nossos equívocos; é aqui, portanto, que temos de retificá-los e demonstrar que
já aprendemos a lição e estamos aprovados no vestibular cósmico. Mesmo que não
precisássemos voltar, contudo, não estaríamos autorizados a demolir a casa que
nos tem servido e que certamente há de servir a incontáveis gerações. Se vamos
ainda precisar dela – e isto é certo – , cuidemos de não deixá-la reduzida à
condição de tapera infecta e inabitável, porque será assim ou em pior estado
que a encontraremos quando de nosso retorno à carne, em nova existência futura.
Como dizíamos de início, a doutrina espírita não fala especificamente em
Ecologia, mas tem importantes reflexos a oferecer para melhor entendimento do
problema que começa a afligir a consciência universal.
Sem falar, é claro, pelo espiritismo em geral, têm os jovens que lutam
pela recuperação do meio ambiente o meu aplauso e o meu estímulo, por mínimo
que isso possa significar. Também estou entre os que ainda precisarão do nosso
modesto planeta para futuras romagens na carne. Um dia estará aqui implantado o
Reino de Deus anunciado pelo Cristo. Não nos esqueçamos, porém, de que será a
mera projeção do que se construir na intimidade de cada um de nós. O Reino –
disse ele – não está aqui nem ali, no tempo e no espaço; ele já existe dentro
de nós. Só nos cabe realizá-lo.
O que nos falta? O que estamos esperando?
Texto do
Acervo jornal Correio Fraterno. Edição 164 de agosto de 1984.
Autor:
Herminio C Miranda
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