Aborto Voluntário: conflitos e convergências entre o feminismo e o espiritismo

            Como espíritas, sabemos das grandes implicações cármicas que um aborto voluntário deve acarretar, tanto no que diz respeito aos comprometimentos que isso pode gerar à mãe, quanto aos transtornos que envolvem o filho ou filha abortado. Isto porque o indivíduo que irá reencarnar está engajado no seu processo de retorno à Terra desde a sua concepção, e mesmo às vezes, desde a aproximação daqueles que irão concebê-lo. Ao abortar, planos são frustrados, ressentimentos entre os envolvidos são criados, e por fim, uma grande oportunidade – a de evoluir – é perdida.

            Por isso, quanto à interrupção voluntária da gestação, o Espiritismo tem um posicionamento muito claro: abortar é tirar a vida, e tirar qualquer vida é transgredir a lei de Deus (Livro dos Espíritos, Q. 358). Sendo assim, para nós, mulheres espíritas, engravidar pode até ser uma opção, todavia, diante de uma gravidez consumada (e ainda que não planejada ou indesejada), cabe a nós nos resignarmos e nos dedicarmos ao cuidado da vida que Deus nos confiou – afinal, nenhum espírito vem a reencarnar por acaso. Criar um filho torna-se, então, uma missão (e esta responsabilidade envolve tanto a mãe quanto o pai, no caso dos casais heterossexuais, pois ambos se envolveram na concepção).

            No que diz respeito a uma ampla vertente do movimento feminista, vemos que as mulheres clamam pelo direito de decidir sobre seu próprio corpo, na crença de que no feto, não há vida. Isto, em geral, dá-se porque a compreensão de vida destas pessoas, muitas das vezes, não é tão alargada quanto aquela que nós, espíritas, acreditamos. Outra coisa é a crença de que a mulher é proprietária do seu corpo. Quando às decisões que cada um efetua acerca de si, sem se deixar afetar por imposições do outro, este ponto é muito válido. Mas em nesta mesma visão alargada de nossa existência, conforme a Doutrina Espírita nosso corpo é senão um instrumento concedido a nós por Deus, sem falar no feto, que igualmente, não nos pertence. De qualquer forma, cada um de nós tem a liberdade de tomar suas próprias decisões e colher as consequências de seus atos. Não cabe ao espírita fazer proselitismo, buscar por “fiéis” ou arrebatar multidões para o centro, tampouco jugar o que os outros fazem.
            Lembremo-nos que com o tempo e de acordo com a forma que lidamos com a vida, entre erros e acertos, tiramos nossos aprendizados, e podemos mudar nossas perspectivas. Mas isto concerne somente a cada um de nós, e à nossa história de acordo com nossas sucessivas reencarnações.
            Por outro lado, se alguém vier até nós em busca de auxílio, devemos, sem dúvida, mostrar apoio, e explicar nossa perspectiva espiritual para aquela pessoa que se sente desamparada e inclinada a abortar. Sem julgamentos, nossa postura deve ser de empatia e disponibilidade.

            Diante disto, outro ponto elementar desta discussão é acerca da criminalização de quem aborta, ou seja, com a forma com que a sociedade lida com as mulheres que já abortaram, ponto este de convergência entre o feminismo e espiritismo. Como enfatizado anteriormente, abortar voluntariamente, na perspectiva espírita, é um erro gravíssimo, e mesmo, um grande crime. Mas, pensemos: quem julga o que é ou não um crime? Nós, humanos, entre nós mesmos? Devemos apontar o dedo para o outro quando, podemos não ter cometido o mesmo delito agora, porém em nosso passado temos gravado em nossa história o mesmo erro – senão uma série de outros erros mais graves? Esquecemos, novamente, da trave em nosso olho para ver somente o argueiro no do irmão? Nas mesmas circunstâncias que o outro, será que faríamos diferente?

            Cabe somente a Deus julgar este crime e, de acordo com a Sua lei de justiça, amor e misericórdia, aplicar as provações necessárias para que a mulher quem abortou, assim como seus indutores, se redimam com o universo.

            Pensemos, ainda, em mais um aspecto: quais motivos levam, geralmente, uma mulher a abortar? Provavelmente falta de apoio, falta de recursos financeiros, medo de ser julgada pela sociedade, ou medo de perder sua “liberdade”, entre outras coisas. Acho que diante disto, podemos considerar de certo modo que, quem aborta, nunca o faz feliz, satisfeito, e tampouco sozinho. Lembremos que muitas vezes, os homens abortam junto com as mulheres quando as abandonam, as pressionam ou não lhes dão apoio – mas o julgamento por um ato desta natureza nunca recai sobre eles.

            Mas no que concerne às mulheres, o próprio peso nos ombros, sobretudo de nossa consciência, que nos aponta para a preservação da vida, é muito grande. Sendo assim, o que estamos fazendo ao criminaliza-las? Pisando naquela que já está caída e desamparada? Sem dúvida, abortar é um equívoco, porém nos lembremos que isto é somente claro e óbvio para nós, que temos uma compreensão espiritualizada do mundo.

            Partindo disto, o que fazer? Segundo Jesus, nesta e em qualquer outra situação, a saída é o amor e a caridade. Assim, lancemos um olhar mais caridoso àquelas que tomaram suas decisões de modo diferente como faríamos, e que construíram sua visão de mundo em cima de outros fundamentos, que não os espíritas-cristãos. Oremos pelos envolvidos, e acreditemos sempre na oportunidade de redenção das pessoas, que um dia, sempre se confrontam com as consequências de suas escolhas. Não cabe a nós julgar ou criminalizar, mas somente à providência divina.


Fontes: Evangelho Segundo o Espiritismo, Allan Kardec; Livro dos Espíritos, Allan Kardec; Sexo e Consciência, Divaldo Franco.
Autor: Yasmin Almeida - Trabalhadora do Grupo Espírita Vinha de Luz de Belém, Pará, criadora do espaço de debates Feminismo à Luz do Espiritismo no Instagram e integrante da equipe organizadora do I Fórum Espírita da Juventude.
Por: Laura Lins

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